quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O ovo poché.- DIAS CAMPPOS



        
Um belo dia, Alguém, cujo nome não poderei revelar, sob pena de ter que ir dormir no sofá, viu em um folder a atraente propaganda de um kit para forno de micro-ondas, cuja promessa era a de se fazer um delicioso ovo poché, de maneira rápida e prática.
Em tese, esse ovo poderia ser preparado em apenas alguns segundos, e sem a necessidade de utensílios, condimentos ou empratamento.
Bastaria colocar um pouco de água dentro de uma cumbuquinha, quebrar um ovo sobre ela, meter tudo dentro do resto do kit, tampá-lo, e ligar o micro-ondas.
E, voilà! A guloseima estaria pronta para ser saboreada.
É claro que Alguém quis a minha opinião...
Ora, fui político. De primeiro, disse nunca desdenhar do progresso. E dei como exemplo as vantagens que o microcomputador possui em relação à máquina de escrever.
No entanto, ponderei que o ovo poché era um clássico. Portanto, seria um pouco difícil que a tecnologia conseguisse agradar ao paladar daqueles que já provaram e gostaram dessa iguaria.
Minha ponderação teve pouco ou nenhum efeito sobre a intenção (resoluta) de Alguém. Assim sendo, calei-me, e aguardei a chegada pelo correio de mais um brinquedinho a abarrotar nossa cozinha.
Meu filho, que sempre gostou de comer ovos, fossem fritos ou cozidos, era o mais interessado em que o milagroso kit chegasse logo; afinal, ouvira tantos elogios ao tal do ovo, que ele era só expectativa.
Ah! Lembro-me como se fosse hoje!... Tão logo o pacote chegou, e Alguém se pôs a desembrulhá-lo com avidez, como se estivesse prestes a agarrar o mais precioso dos tesouros.
Alguém leu o manual de instruções – “rebuscadíssimo”, diga-se de passagem –; lavou bem todas as três partes que compunham a revolucionária invenção; completou a água até o limite indicado; quebrou o ovo sobre a tal da cumbuquinha; colocou uma pitada de sal; marcou os segundos necessários; e ligou o bendito aparelho.
E ao soar do tlim, voilà! Era só abrir a porta, destampar o kit, retirar o resultado, e degustá-lo.
Só que ao se levantar a tampa do utensílio, o que víamos era um ovo fumegante, esbranquiçado, compacto, e sobre cuja gema pouco se podia dizer, se dura ou mole (como teria que ser).
As impressões dividiram-se. Meu filho estava eufórico; até porque, nunca provara um ovo preparado à moda tecnológica. Alguém estava apreensiva; menos pelo aspecto desencorajador do que pela incógnita quanto à textura da gema. E eu, para lá de reticente; afinal, não foi à toa que em um episódio do programa Pesadelo na Cozinha, o chef Érick Jacquin arremessou janela abaixo os micro-ondas de um participante...
Como o garoto também estivesse com fome, nem se pensou na finalização ou no acompanhamento. Assim, sentamos à mesa e esperamos que ele provasse e desse a sua opinião.
Interessante mencionar que meu filho, que em matéria de ovo frito gosta de comer primeiro toda a clara, para só depois apreciar a gema, resolveu inverter esse hábito, seja porque a aparência daquela não era nada atraente, seja porque a textura desta permanecia um enigma.
Só que para nosso espanto, no exato momento em que ele cutucou a gema com o garfo, um fato para nós desconhecido aconteceu: A gema simplesmente estourou!
Sim, ela estourou – com estampido e tudo –, e fragmentos da massa amarelada foram grudar na bochecha direita do pimpolho.
Imaginem, portanto, o susto que todos levamos?!
É claro que, passado o susto, as risadas tomaram conta do momento.
Mas ainda restava experimentar aquele delírio gastronômico...
Bem, eu não me atrevi; Alguém provou um pedacinho, e disse ser comível – se bem que seu semblante não compactuasse plenamente; e para tristeza deste cronista, meu filho começou tímido, mas terminou bem satisfeito, preferindo, inclusive, a textura adquirida pela gema, dura feito ovo cozido.
No dia seguinte, como estivesse inconformado com aquele ultraje à boa mesa, resolvi preparar eu mesmo aquele prato, e comme il faut; até porque, era meu desejo que o herdeiro nunca mais se lembrasse que um dia gostara de tamanha aberração.
Fui ao YouTube, assisti a mais de um preparo, escolhi a receita que mais me agradou, fui a um empório refinado, comprei o que precisava, e tudo em dose dupla, fiz um teste só para mim (que, por sinal, ficou delicioso), e avisei ao meu filho que ele provaria um genuíno ovo poché. – que não prescindiria da panela com água fervente, do filme PVC, da escumadeira, do sal, do vinagre de maçã, das raspas de trufa, e da fatia de pão torrado na manteiga.

Concluída a segunda obra-prima, servi com toda mesura. E aguardei o novo parecer.
Pois não é que ele gostou mais do ovo à “micro-ondé”?!
A par da frustração, e da gozação, o que me restou foi ouvir de Alguém que, pelo menos, o garoto não correria o risco de ser contaminado por salmonela.
Menos mal que, salvo melhor juízo, ainda não inventaram kits para se fazer bife à parmegiana ou feijoada no micro-ondas.

Ó, Jacquin, empresta-me a tua coragem!


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